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20 Apr 2015
Não sou culpado de nada
Os jornais e as televisões, como suporte fundamental de informação, tem um ritmo muito peculiar.
As notícias são como o peixe, só servem frescas e passado um dia ou dois deixam de interessar, já há outras muito mais saborosas na calha.
Quem é que ainda se lembra do êxtase que os senhores e senhoras jornalistas sentiam com a "Primavera Árabe", com a praça não-sei-quantos que enchia as mimosas boquinhas.
Depois foi o que sabemos.
Um completo desvario, um ausência total de democracia (olha que novidade), assassinatos a esmo, guerras civis por todo o lado.
Mas os senhores/senhoras jornalistas já estavam focados noutros assunto, quando as coisas correm fora daquilo que eles pretendem, o melhor é ignorar a realidade.
Até porque
Uns loucos assaltaram a sede de um jornal satírico (esta é a maneira de dizer que aquilo era um simples pasquim) e mataram de maneira ignóbil os jornalistas que faziam aquilo que julgavam correcto e que pelas leis e parâmetros ocidentais, na realidade eram.
Foi novamente o delírio.
Todos eram Charlie, durante alguns dias não se falou noutra coisa.
Infelizmente com tanto entusiasmo a edição de colecção subiu para sete milhões o que irritou os Charlies que esperavam fazer um bom investimento.
No dia D centenas passaram a noite ao relento para terem na mão aquele exemplar, e muitos desesperaram, conforme nos foi mostrado nas múltiplas reportagens.
Uns dias depois um monte apreciável deles, estavam na entrada da FNAC e ninguém se preocupava em os comprar.
Para quê, tinha passado a febre.
Depois foi o piloto alemão que atirou o avião contra uma montanha matando-se e matando todos os infelizes que apanharam aquele voo.
Lá durou o tempo possível, bem esticado e com muita desinformação pelo meio.
Aliás nunca um jornal ou uma televisão dão uma notícia sobre aviação que seja cem por cento correcta.
E agora é o problema daqueles que fogem de África (na realidade esta África estende-se até ao Bangladesh, pois era deste país um dos náufragos) em barcos cada vez mais frágeis.
Morrem às centenas e (não se riam) uma das medidas que se prevê para evitar isto é destruir os barcos.
Não se deram ao trabalho de explicar se é antes, durante ou depois.
Vamos agora ler duas análises uma de um reputado jornalista e outra de uma reputada jornalista.
Mais de mil morreram nos últimos dias. São os números da ignomínia europeia, que deixa entregue à sua sorte, ao cinismo do salve-se quem puder, os milhares que fogem da miséria, das mafias do tráfico humano, da guerra e do jihadismo. A Europa que acabou com o programa de salvamento Mare Nostrum, que entregou essa tarefa à marinha mercante e ao acaso, é a mesma que entrou na guerra do Iraque em nome de uma enorme mentira.
Portanto a Europa, eu e vocês, somos responsáveis pela miséria, pelas máfias africanas e por aquele cortejo de desgraças, incluindo a seca.
Por outro lado o senhor jornalista descobriu que a Europa entrou em guerra no Iraque.
Alguém se lembra dessa guerra?
Com que meios é que Portugal (presumindo que ainda estamos na Europa) entrou na mesma?
Pormenores.
É urgente analisar as motivações que empurram tantas pessoas para o desespero: os ataques sangrentos do grupo radical Boko Haram, a guerra civil na Síria, o contexto caótico na Somália e na Líbia ou a ditadura de Issayas Afewerki na Eritreia. O aparelho de controlo de imigrantes da Europa não é suficiente para identificar e responder a tantos indivíduos que podem estar a necessitar de proteção internacional.
Os responsáveis pelas travessias que metem centenas de pessoas em perigo, em barcos sobrelotados, são terroristas, classificou o presidente de França, François Hollande. Sim, são. Mas não são os únicos culpados num mundo que continua a girar a demasiadas velocidades
Aqui o entusiasmo foi mais comedido.
Sim há culpados donde eles vêm.
Que os próprios nada façam para mudar isso, é um acidente de percurso e portanto há que distribuir culpas.
Finalmente a cereja, esta vem de um conhecido gay que tem um blog:
Não podemos continuar a fingir que não vemos. Se tivesse caído um avião com uma dúzia de estudantes Erasmus, louros e de olho azul, a Europa entrava em transe. A Itália não pode arcar sozinha com um problema que é de todos nós.
Não me admirava se o visse a recolher um deles lá em casa.
Como é muito modesto, é mesmo provável que o faça, em segredo.
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