28 Jul 2008


Eduardo Pitta é um nome que dispensa introdução.
Não leve isto à conta de nenhum trocadilho picaresco.

Leu um livro do jornalista Ricardo de Saavedra e gostou imenso do mesmo.
E então resolveu transcrever dois apontamentos sobre dois momentos vividos em Moçambique, um em guerra, outro em paz.
Vejamos o primeiro:

Esse prólogo abre com a descrição metódica da chacina ocorrida a 16 de Dezembro de 1972, nas aldeias de Wiriyamu e Juwau, em Moçambique. As tais que, segundo Kaulza de Arriaga, nem sequer constavam do mapa. A prosa remete para o inferno: «Duas horas da tarde. Zona operacional de Tete [...] dois Fiat G-91 da Força Aérea despejam, em voo rasante, bombas incendiárias. [...] Enquanto um grupo se dedica à pilhagem e a incendiar cubatas, outro persegue quatro garotas, de 12 ou 13 anos, e arrasta-as para o mato. Numa clareira do capim alto, violam as miúdas, em fila. O Fuinha, quando acaba com a dele, enfia-lhe a automática na vagina e dispara [...] Os adornos de missanga que lhes envolviam o ventre levam-nos os ditos boinas-vermelhas ao pescoço, a servir de colar.»

Peço o favor de notarem aquele pormenor de “remeter para o inferno”
Vejamos a outra:

Não obstante, os quatro dias de ocupação do Rádio Clube de Moçambique, em Lourenço Marques (actual Maputo), bem como o controlo do aeroporto da cidade, são recuperados com precisão: a puerilidade de grande parte dos manifestantes, a esperança gorada em Spínola, os equívocos ideológicos, os choques de personalidade, o armamento sul-africano que não chegou e, last but not least, o acto falhado, nunca devidamente explicado, da omissão de Jorge Jardim. Como sabido, acabou em tragédia: milhares de mortos, êxodo de dezenas de milhares de brancos para a África do Sul (as fronteiras foram abertas), recidiva mais violenta em Outubro.

Aqui já foi mais brando, passou a tragédia
Mas Pitta não se fica e segue a toda a velocidade:

O Anexo 6 faz uma síntese perturbadora dos dias de brasa que assolaram a periferia da cidade: «O dono de um talho aparece pendurado pelas costas num dos ganchos do próprio estabelecimento. Noutros açougues foram encontradas crianças [...]».

Dias de brasa, é como Pitta analisa esta matança.
Não há dúvida o “historiador” Joaquim Furtado criou escola.
No seu blog (sem comentários) Pitta vem agora desculpar-se.
Leia-se:

De resto, no livro de Saavedra, há pontos de vista contraditórios: a denúncia dos excessos da guerra colonial, em particular o massacre de Wiriyamu (entra aí o contraponto com a barbárie descrita por Littell), traduz, se quisermos, um ponto de vista da esquerda; enquanto que a “defesa” do movimento secessionista se situa no outro extremo do espectro ideológico. Não me interessa a ideologia de Saavedra, do mesmo modo que não me interessa a de Littell. Quando faço crítica literária, comento literatura, não comento ideologias.

Pois é, está tudo dito.

1 comment:

Anonymous said...

é um dos principais problemas da esquerda: fala, fala, a favor dos probrezinhos e desgraçados, mas esquece-se sempre de ver a outra parte do problema. A Guerra Colonial é um grande exemplo disso. Temos todos muito pena dos soldados que morreram, população que morreu mas convinientemente ninguém se lembra dos retornados (retornados ponto e virgula, porque houve alguns que já lá tinham nascido e por isso, tecnicamente não voltaram para nada) que foram obrigados a voltar, e dos que foram lá assassinados.